Morte assistida – desigualdade impede que Brasil discuta o abreviamento da vida

Morte assistida – desigualdade impede que Brasil discuta o abreviamento da vida

Por se tratar de um tema tabu, o recorde de mortes assistidas (eutanásia) registrado no Canadá chamou a atenção: mais de 15 mil pessoas  receberam assistência médica para morrer durante 2023 – a maioria com câncer. A mídia no Brasil raramente trata desse tema, sendo apresenptado sempre como assunto polêmico. A presença mais recente no noticiário ocorreu em outubro passado, quando o poeta, compositor, filósofo, crítico literário e membro da Academia Brasileira de Letras, Antônio Cicero, anunciou seu suicídio assistido. 

Antônio Cícero também é conhecido por ser irmão e parceiro da cantora Marina Lima.  Os dois compuseram vários sucessos nos anos 90 – alguns deles até hoje presentes nas radios que tocam a boa música brasileira. Como, por exemplo, em “Fullgas” – “E tudo de lindo que eu faço/É, vem com você, vem feliz/Você me abre seus braços/E a gente faz um país”. Ou em “Não sei dançar”, onde é oferecido à pessoa amada “tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar”. Aos 79 anos, um comunicado anunciou sua decisão de morrer na Suíça, um dos cerca de dez países que aceitam a morte assistida ou suicídio assistido: “Queridos amigos, encontro-me em Zurique, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Espero ter vivido com dignidade e morrer com dignidade”.

No Brasil, a eutanásia ainda é crime. A última regulamentação ocorrida data de 2006, ano em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu que a eutanásia fere a ética médica, permitindo, em seu lugar, a ortotanásia.

Rosto Idosa

Eutanásia? Ortotanásia? Qual a diferença entre as duas? – você pode estar se perguntando.
A diferença é que a eutanásia permite o uso de medicamentos que abrevia ou aceleram o processo de morte frente a uma doença grave, incurável, ameaçadora da vida, enquanto a ortotanásia, diante da morte certa, permite que ela ocorra no tempo certo , sem acelerar nem prolongar  o fim.  Alguns países admitem a eutanásia somente nos casos de doenças terminais, sem cura. Outros permitem os procedimentos de suicídio assistido, como no caso de Antônio Cícero, por exemplo, em casos de demência avançada ou Alzheimer. Em ambos os casos, exigem-se os pedidos de familiares ou do paciente.

Na América Latina, apenas a Colômbia desde 2002, permite a morte assistida de pacientes terminais “É realmente uma discussão muito complexa”, diz o médico geriatra e colunista do Viver+, Milton Crenitte. “Aparentemente, este debate ainda está longe de acontecer no Brasil, em virtude da fé e porque há um certo conservadorismo em relação à morte e em relação a alguns assuntos da Medicina. Mas essa discussão, vista também recentemente no filme “Quarto ao lado”, do diretor espanhol Pedro Almodovar, implica em também falar de autonomia. É, portanto, um debate que fala sobre autonomia, sem esquecer que, no caso do Brasil, temos de falar em autonomia, em preservação da dignidade, levando sempre em conta que o direito ao morrer no nosso país ainda é muito desigual. Pouco se fala, pouco se tem acesso a tratos paliativos de maneira adequada. Em resumo, é um debate em que temos de avançar, mas antes disso e das reflexões que o tema exige sobre a legislação sobre a eutanásia, se sim ou se não, sem fazer nenhum juízo de valor, é a expansão dos cuidados paliativos no Brasil. Os cuidados paliativos são uma prática supernecessária para a garantia de uma morte digna, e também de uma vida digna para todas as pessoas.  Mas poucas pessoas têm acesso aos recursos que garantem uma morte com dignidade. Então, antes de avançar na discussão sobre o aspecto legal dessa questão, acredito que seja mais necessário falar sobre a desigualdade no acesso aos cuidados paliativos no Brasil”.

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