Envelheci. E daí?

Envelheci. E daí?

Por Marco Antonio Vieira Souto

Venho envelhecendo, como você, desde que nasci.
Parece óbvio, mas não é bem assim que acontece no dia a dia de quem já viveu algumas décadas.
Ter envelhecido, por incrível que pareça, não está associado a nenhuma data em especial.
Para alguns, basta ter feito 30 anos.
Para outros, só depois dos 80.
O que demonstra a incoerência da afirmativa taxativa e cheia de segundos e terceiros sentidos: “tá velho”. 
Pior que praga de mãe.
Se deixar a afirmativa pega, ganha corpo e mente e vai minando aquela pessoa com mais vivência e fazendo dela a justificativa ao vivo da acusação.
“J’accuse”, Emile Zola que me perdoe, mas eu acuso que todo aquele que de sentido pleno ou sob alegada inocência chama outro ser de velho ou velha, é idadista.

Souto Menor 250226

E como todo preconceituoso, merece o nosso repúdio.
Envelheci para minha sorte.
Envelheci e hoje sei mais que ontem e menos do que saberei amanhã.
A acusação – “está velho” – tem o efeito imediato de tirar do acusado oportunidades, espaços e momentos de maneira definitiva.
Ter envelhecido é ter ficado para trás, para fora do ritmo da vida atual, fora do zeitgeist.

Quem me acusa?
Que provas tem que com meu envelhecimento eu me tornei essa pessoa inútil?
O que do meu comportamento, da minha atitude perante o mundo, da minha sabedoria diante da vida, perdeu valor, esvaneceu, sumiu?
Envelheci e vou envelhecer mais.
Um pouco a cada dia, como desde sempre.

E daí que você não acha bom e generosamente se diz preocupado comigo, por tudo que pode me acontecer ou que eu possa demandar a mais?
Envelhecer é um processo.
Envelhecer bem é uma arte.
É deixar de lado o olhar perverso do outro e saber-se capaz e pronto.
A arte é enxergar além com a curiosidade dos sábios. Envelheci e tenho que escrever um texto como esse para expurgar as nossas raivas e chacoalhar, se possível, quem ainda se pega a esta falaciosa percepção do envelhecer como antônimo de viver.

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