Imagine um aplicativo com game gratuito instalado no seu celular ou tablet. Antes de iniciar o jogo, ele vai querer saber como você se sente, como está o seu humor e quantas horas você dormiu na noite passada. Imagine, agora, que, ao preço de um site de filmes, ele vai memorizar essas e outras informações e emitirá relatórios que podem ser acessados pelo seu médico, na véspera da sua consulta de rotina. Imagine, por fim, que o próprio aplicativo vai te alertar quando chegar a hora de parar de jogar e que as horas que você gastou, sem sucesso, tentando encontrar respostas para os desafios que ele propôs, devem ser substituídas por uma caminhada ao ar livre.

Esse game existe, chama-se “Cérebro Ativo”, e levou seu criador, Fábio Ota, a assinar artigos científicos ao lado de médicos do Hospital Sírio-Libanês, onde também trabalha como professor de futuros gerontólogos. A especialidade de Ota e sua empresa, a ISGgame, é desenvolver jogos voltados para pessoas 60+, para apurar a compreensão, a atenção, a memória e a velocidade de raciocínio.
Há cerca de 20 anos o aplicativo “Cérebro Ativo” tem sido sua ferramenta básica. O Programa Fapesp – Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas, que viabilizou financeiramente parte dos estudos da ISGame, abriu portas antes impensáveis. Inquieto, Ota quis saber se a cognição de pessoas idosas seria capaz não apenas de jogar, mas de criar games. Deu certo: seu estudo com cerca de 70 pessoas mostrou que o aprendizado com técnicas para a criação de jogos apuraram o raciocínio lógico dos participantes. Mais importante ainda: elas também trabalhavam para evitar a demência e o temido Alzheimer. Os idosos que desenvolveram seus próprios jogos mostraram melhor rendimento do que todos os demais.
Em seguida, Ota foi convidado para participar de um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que pretendeu avaliar o impacto da alfabetização digital e do treinamento com jogos digitais nos 60+. De novo, surpresa: os que haviam sido alfabetizados e jogaram apresentaram melhoras na concentração e na orientação espacial, indicando que, com a ajuda dos games, seria possível ajudar a estabilizar doenças que atingem o cérebro na velhice.
Mas veio a pandemia e tudo parou. Foi uma mudança de chave para a ISGame. Mesmo confinados pela Covid-19, Ota procurou manter o engajamento do grupo com a incorporação de uma nova funcionalidade no “Cérebro Ativo”, projetada para acompanhar o estado mental e emocional do grupo de 60+. O game passou a falar diretamente com os idosos, inaugurando o canal direto entre os pacientes e seus médicos.

Outras melhorias ao game estão a caminho. Uma delas prevê a incorporação de um relógio ou pulseira digital com GPS, para transmitir desde os batimentos cardíacos até o número de passos do paciente dentro de sua própria casa. Outro progresso virá com a adição de inteligência artificial para apontar qualquer mudança de hábito que interfira no bem-estar do idoso. “Todos os processos do aplicativo têm como base conceitos psicossociais”, diz ele, “que estudam a causa ou o progresso de doenças utilizando fatores biológicos, psicológicos e sociais”.
Esses novos módulos aportarão funcionalidades ainda mais sofisticadas ao game. Um deles recebeu o nome de “Árvore Genealógica” para combater o isolamento social a que muitos idosos se submetem. O usuário poderá abastecer o game com informações de toda a sua rede de parentes e amigos, com o histórico de saúde de cada novo integrante de sua rede de contatos. Outra inovação é a que o aplicativo registra todos os seus dados emocionais, como, por exemplo, os que resultaram em momentos de maior ou menor disposição física, ou ainda acontecimentos do cotidiano que provocaram ansiedade, irritação, depressão e tristeza. O cenário é futurista, lembra filmes em que a vida dos cidadãos é vigiada e controlada. Neste caso, porém, é uma questão de preservar a segurança e a saúde.
(EspeciaL para o Jornal da Orla e ViverTV+)
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