Movimento em Portugal quer acabar a prática de amarrar idosos com Alzheimer

Movimento em Portugal quer acabar a prática de amarrar idosos com Alzheimer

Por José Carreira, diretor das Obras Sociais de Viseu

Temos pela frente uma maratona, com um trajeto complexo e repleto de desafios. O tiro de partida foi dado na conferência “Cuidar Sem Amarras: a urgência de um novo modelo de cuidados”. Foi um primeiro momento, importante, para quebrar o tabu sobre o emprego de contenções mecânicas e farmacológicas em Portugal. Temos de ser transparentes e procurar alternativas que substituam práticas que são anacrónicas e desumanizadas, e que, em muitas situações, atentam contra a dignidade e os direitos humanos de quem se vê privado da sua liberdade e autonomia. Joana Aroso, advogada, apresentou a comunicação “A contenção de idosos à luz da dignidade da pessoa: algumas reflexões” e alertou: “a utilização da prática da contenção, nomeadamente em pessoas idosas, seja mecânica, seja farmacológica, está prevista na legislação apenas em circunstâncias de excepcionalidade e de inexistência de alternativas menos gravosas. Em face da evidência científica da existência de práticas alternativas, impõe-se nova reflexão e o progressivo abandono da prática da contenção, por não ser consentânea com a dignidade da pessoa humana.“

Estamos na presença de um círculo vicioso e, de certo modo, paradoxal. Aplicam-se as contenções físicas para que as pessoas idosas não caiam, mas acelera-se a deterioração física e psicológica, aumentando o risco de queda. Muitos profissionais temem ser acusados de negligência, se uma das pessoas que cuidam cair. Não é despiciendo observar que as quedas estão entre os principais motivos de hospitalização das pessoas idosas. Uma preocupação que aumenta com a frequência crescente de casos em que a pessoa acidentada também padece de demência.

 Vamos continuar agindo dessa maneira? Em poucos anos, prevê-se que 80% das pessoas institucionalizadas tenham demência. Vamos amarrar todos?

A formação é a chave para a mudança que se impõe. É fundamental qualificar as equipas das estruturas dos cuidados que têm de ter pessoal qualificado e com capacidade para interagir junto a pessoas com demência com novo recursos, entre os quais:

Pés Amarrados

* Estruturas residenciais para pessoas idosas;

* Centros de Dia;

* Serviço de Apoio Domiciliário;

* Cuidados de saúde primários, no contexto hospitalar; e

* Rede nacional de cuidados continuados integrados.



Em seu livro “Manicômios, prisões e conventos”, o doutor Erving Goffman defendeu, ainda em 1961, que “a reorganização interna e a adequação dos espaços físicos são fatores decisivos para a implementação do modelo de cuidados centrado na pessoa, afastando, definitivamente, o modelo de instituições totais.”

Em termos dos equipamentos sociais, além da qualificação dos profissionais, também é necessário fazer algumas mudanças do ponto de vista ambiental, para que as pessoas com demência se sintam mais orientadas, confortáveis e seguras nos espaços, e terem ocupações significativas, fundamentais para o seu bem-estar.

Na conferência, o médico André Rodrigues, presidente da Associação dos Médicos das Pessoas Idosas institucionalizados (AMIDI) e Médico coordenador das Residências Emeis Portugal apresentou a comunicação “Contenção Física em Idosos – Qual a realidade das ERPI em Portugal?”. Ele nos informou que a utilização de contenções físicas em Portugal são um problema nas instituições, explicou os motivos para que estas ocorram, deu nota das questões éticas implicadas, das consequências destas práticas e dos benefícios que resultam da eliminação das contenções. A sua comunicação deixou claro que, sendo um processo demorado e que requer um enorme esforço, é possível de concretizar. Não se consegue de um dia para o outro, requer persistência e método e, acima de tudo, uma mudança de atitude e de formação inicial e contínua especializada.

“A contenção, mecânica ou farmacológica, no cuidado é um indicador de como cuidamos. Se existe contenção, não estamos centrados na pessoa”, disse a doutora Ana Urrutia Beaskoa, presidente da Fundación Cuidados Dignos). A médica geriatra, autora da Norma Libera-Care, é uma ativista de referência em Espanha e, muito provavelmente, ao lado de Antonio Burgueño, médico e diretor do Programa Desatar a Pessoa Idosa e o Doente de Alzheimer, a grande responsável, na última década, pela mudança de paradigma no cuidado. Desatar é o motor da melhoria, com influência em múltiplos processos de cuidado, traduzindo-se em instituições livres de contenções, cumprindo metas de qualidade, além de todas as implicações de carácter humano e ético que decorrem do esforço de evitar usar contenções.  Queremos, nas Obras Sociais Viseu, com o apoio da Fundación Cuidados Dignos, contribuir para a criação de um novo modelo de cuidados centrado nos direitos das pessoas e tendo por base a Estratégia Europeia de Cuidados para cuidadores e beneficiários de cuidados, apoiando a aplicação dos princípios consagrados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Este novo modelo baseia-se na atenção centrada na pessoa onde, logicamente, não cabe o cuidado com contenções. A prestação de cuidados diz-nos respeito a todos. Cria o tecido que une as nossas sociedades e liga as nossas gerações. Ao longo da vida, nós e os nossos entes queridos necessitaremos de cuidados ou prestaremos cuidados”, defendemos no documento “Estratégia Europeia de Prestação de Cuidados”.

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